É possível se viver de teatro no Brasil?



“Sobreviver de teatro no Brasil. Alguém agüenta esta profissão apenas como ganha-pão? Todos nós trazemos um anseio de arte. Podemos não alcançá-la, a verdadeira arte. Mas esta é a nossa ambição e é isso que nos salva.

É possível se viver de teatro no Brasil?

É. É possível, sim. Claro que mal. Às vezes muito mal. Às vezes até nem se vive de tão mal. Às vezes o tempo fica bom e firme. Mas logo cai um furacão que te arrebenta até para o resto da vida. Tudo é instável e tenso. (...) Em qualquer profissão, se você conhece o ofício, há um momento em que se consegue um patrimônio de trabalhos prestados. O mais vem naturalmente. No teatro, não. Você faz exame todo dia. Cada vez que se estréia uma peça nova é uma sabatina geral e o que vale é somente a nota final.

(...)
É claro que você tem a obrigação de escolher sempre o melhor autor, o melhor grupo, o melhor diretor. Mas não havendo o melhor do melhor, fique com o bom, ou com o menos bom. Se tiver de escolher entre o protagonista de uma peça de Paulo Magalhães e o décimo papel de uma peça de Brecht, é claro que você tem a obrigação de escolher o melhor autor, para ser fiel a você mesmo e ao seu idealismo. Mas, para começar, para se exercitar, e muitas vezes para comer, não havendo a oportunidade do grande autor, aceite até mesmo o décimo papel de uma peça de Paulo Magalhães.

Agora, não faça dessas concessões uma regra. Da alternativa, um hábito. Por que aí você se acaba. Por incrível que pareça, num ambiente acanhado como o nosso, tudo serve para amadurecê-lo, profissionalmente falando. E o importante é fazer o décimo papel do mau autor com a mesma obstinada vontade de trabalho que você empregaria num autor melhor.

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Hoje, como ontem, acho pura perda de tempo a atitude de alguns profissionais que, conhecendo bem o chão em que pisam, afirmam: “Nunca mais farei tal autor, nunca mais farei isso ou aquilo!” Fará sim. Se não tiver outro melhor. Se não tiver pais ricos, mulher rica, marido rico, amantes ricos ou outra profissão, fará sim. Então é melhor não gastar saliva à toa... e trabalhar. No melhor, quando for possível o melhor.

No pior, quando só nos restar o pior, a má televisão, a dublagem, os shows de todos os tipos, filmecos sem categoria etc. etc. etc. Vale a pena a alternativa? Se você acha que não, abandone já a idéia de fazer teatro neste país.

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Tudo nos atrapalha nesta profissão, a instabilidade econômica, o calor, os temporais, a falta de luz, as férias escolares, as festas natalinas, o carnaval, o início das aulas, a Semana Santa, as eternas crises políticas. E, sobretudo, a não necessidade de teatro que o brasileiro tem. Fazer o quê? ‘Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima’, como diz o samba.(...) O desafio é ser alguém diariamente. É, ano após ano, tentar manter a sua qualidade de gente e de profissional. É estar vivo aos 50, aos 60 e, se possível, aos 70 anos.”

(Fernanda Montenegro (1929), em discurso feito em 1967. Trecho transcrito da Revista Aplauso, Nº103, coluna de Luiz Paulo Vasconcellos)

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